Sentença equiparou pedido de liminar da BRF a tentativa de censura e ressaltou que a própria empresa, durante o processo, confirmou o uso das práticas citadas em campanha da ONG Sinergia Animal
Em uma vitória emblemática pela liberdade de expressão e pelos direitos dos animais, a ONG internacional Sinergia Animal venceu em primeira instância um processo movido pela BRF, a maior produtora de carne suína no Brasil e dona das marcas Sadia e Perdigão.
Após quase dois anos de disputa judicial, a sentença não apenas garante o direito da ONG de fazer campanhas e se manifestar sobre o sofrimento de porcos na cadeia de produção da BRF, como destaca que o mero cumprimento da legislação não isenta a empresa de críticas referentes ao bem-estar animal.
“Esta é uma vitória significativa para o movimento de proteção animal no Brasil e em defesa da liberdade de expressão", afirma Carolina Galvani, diretora executiva da Sinergia Animal. "A decisão reforça o direito da sociedade civil em cobrar e responsabilizar as grandes empresas, especialmente quando elas impactam a vida e o bem-estar dos animais. Esperamos que esse resultado incentive práticas mais transparentes dentro da indústria e uma busca contínua por condições que causem menos sofrimento para os milhões de animais mantidos nessas fazendas".
O processo está centrado na campanha da Sinergia Animal que expõe práticas controversas na produção da BRF, como o corte de rabos de leitões sem anestesia, o confinamento de porcas grávidas em gaiolas de gestação individuais e o uso de antibióticos em animais saudáveis. Em uma petição online, que conta com mais de 90 mil assinaturas, a Sinergia Animal pede para que a dona da Sadia e da Perdigão assuma políticas de bem-estar animal mais contundentes.
A campanha teve início em agosto de 2020. A BRF entrou com uma ação com pedido de liminar na 4ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, em outubro de 2021, 11 dias após a Sinergia Animal colocar anúncios em bancas de jornais que faziam um trocadilho substituindo o “S de Sadia” por “S de sofrimento animal” — alegando que a campanha era “difamatória” e “caluniosa”.
Entre outras demandas, a multinacional pedia uma indenização de 100 mil reais por danos morais e buscava impedir a veiculação da campanha e qualquer menção, denúncia ou comentário público da ONG sobre a BRF e seus produtos — em meios físicos de divulgação e na internet.
A sentença, publicada em junho deste ano e liberada recentemente, decidiu a favor da Sinergia Animal, apontando que as informações da campanha são verdadeiras, que suas estratégias estão dentro da lei e classificando a pretensão da BRF de limitar a atuação da ONG como “evidentemente descabida, pois seu acolhimento implicaria verdadeira censura, que não pode ser admitida”.
A decisão ressalta ainda que a própria BRF apresentou documentos, durante o processo, que confirmam o emprego das práticas questionadas pela Sinergia Animal — determinando, portanto, que os apontamentos da organização internacional não são inverídicos, nem exagero.
“O cumprimento da legislação [relativa à] espécie, por si só, não basta para isentar a [BRF] de críticas da ONG ou de qualquer outra pessoa que entenda que seus métodos não são suficientes para garantir o bem-estar dos animais”, aponta a decisão judicial.
Segundo a sentença, a cessão e remoção da campanha ainda subtrairia da sociedade a possibilidade de debater o bem-estar animal, assunto de interesse público e que conta com proteção constitucional. “Não se pode impedir que a [organização] busque a ampliação e melhora das regras e práticas relativas ao manejo dos animais”, concluiu.
Empresa faz melhorias, mas recorre de decisão judicial
Desde o lançamento da campanha da Sinergia Animal, a BRF fez mudanças em suas políticas que vão ao encontro dos pedidos da ONG, como o fim do uso parcial de gaiolas de gestação em novos investimentos e do uso indiscriminado de antibióticos em todas suas operações. No entanto, em junho deste ano, a empresa também decidiu entrar com recurso de revisão de sentença e continua pedindo que a atual campanha de mobilização pública da ONG seja cessada.
“Infelizmente, vemos que a empresa segue empenhada em parar uma campanha legítima ao invés de anunciar o fim de mutilações sem anestesia, que é o último pedido pendente da campanha”, diz Galvani. “Não vamos nos calar. Vamos continuar lutando pelo nosso direito de liberdade de expressão e pelo fim de práticas que causam imenso sofrimento animal”.
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