*Texto traduzido da versão original da ‘BeSpoke Diaries’
Em um dia de verão do ano de 2006, Carolina entrou em um enorme galpão escuro localizado no interior de Portugal.
Era um lugar cercado por lindas paisagens rurais, mas que guardava uma realidade chocante.
O galpão era um lugar opressivo, úmido, fétido, quente e dominado por um som assustador: por todos os lados, milhares de galinhas emitiam, sem parar, sons que expressavam desespero. Os animais se encontravam amontoados em gaiolas minúsculas e não havia liberdade de movimento. Muitos deles tinham perdido a maior parte de suas penas por causa do contato constante com as barras de metal das gaiolas e uma alimentação precária. Eles estavam ali para produzir ovos em escala industrial, presos em um ambiente que causava muito sofrimento e alta mortalidade.
Carolina se sentiu frustrada por não conseguir soltá-los. Era angustiante vê-los tentando se mover, mas sem espaço para tal.
Mas sua experiência nesse local aterrorizante não foi em vão: aquele dia em Portugal mudou sua vida. O sonho de transformar o mundo em um lugar melhor
Carolina foi criada em uma cidade no interior do Estado de São Paulo na qual, pelo menos aparentemente, as pessoas viviam em paz. Lá, havia pouca pobreza e violência. E a maior parte da população tinha uma boa qualidade de vida, ao contrário do que acontece em grandes cidades do Brasil, onde há muita miséria e violência. Enquanto crescia, ela não tinha motivos para se preocupar com questões sociais.
Porém, sua visão de mundo começou a mudar quando, com nove anos de idade, ela ganhou um jornal de uma professora da escola. Como lição de casa, tinha que ler as notícias e escrever uma redação sobre algum relato jornalístico presente naquele diário.
No jornal, havia a foto de um menino dormindo dentro de uma caixa de papelão, em alguma grande cidade brasileira. Ele não tinha pais, não tinha casa e não tinha comida. Cheirava cola para matar a fome e pedia esmolas na rua.
Carolina ficou indignada. “Como é possível que ninguém faça algo para ajudar essa criança?”, ela se perguntou.
Naquele dia, com apenas nove anos, ela escolheu seu futuro: queria ser jornalista e trabalhar para transformar o mundo em um lugar melhor para todos.
As coisas, entretanto, não sairiam imediatamente como o planejado: anos depois, quando chegou a hora de concorrer por uma vaga na universidade, Carolina foi aceita no curso de economia da Unicamp, uma das principais instituições universitárias do Brasil.
No começo da faculdade, ela se sentiu deslocada. Mas logo se adaptou: o curso de economia da Unicamp era (e ainda é) focado em conceitos econômicos que buscam reduzir as gritantes desigualdades sociais do Brasil.
Desenvolvimento da sociedade, distribuição de renda e combate à pobreza eram temas que dominavam as aulas. E tudo isso dialogava muito com os ideais de justiça social que ela vinha alimentando desde criança.
Logo após se formar economista, realizou seus primeiros trabalhos com ONGs. Ela se sentia realizada, mas o jornalismo ainda era um chamado.
Por isso, em 2005, Carolina se mudou para Londres e logo começou a sonhar em fazer um mestrado em jornalismo na City University of London.
O percurso não foi fácil: ao chegar à Inglaterra, ela teve que batalhar muito para juntar o dinheiro necessário para pagar o mestrado. Trabalhou como faxineira e atendente de pub, chegando a fazer turnos de 14 horas diárias (infelizmente, ela não tinha talento nenhum para servir cerveja e, de vez em quando, derrubava bebida nos clientes…).
Mas o esforço valeu a pena: conseguiu concluir o mestrado e, finalmente, realizou o sonho de virar jornalista.
Mudando o mundo com o jornalismo investigativo
Mas como foi o caminho de Carolina entre a conclusão de seu mestrado e aquela granja de Portugal, que mudaria sua vida?
Após pegar o diploma, ela soube que uma agência de jornalismo investigativo de Londres procurava uma pessoa fluente em português para ajudá-los em uma missão muito importante.
Em meados de 2006, eles iriam se infiltrar em fazendas de produção animal industrial e matadouros em Portugal para expor práticas terríveis contra os animais ocorridas nesses locais – e precisavam de uma pessoa que falasse português para auxiliá-los. Ela se ofereceu para trabalhar como voluntária neste projeto, sem saber muito bem como seria a experiência.
Na época, Carolina estava interessada principalmente em questões sociais. Não sabia nada sobre fazendas industriais. Como muitas pessoas nos países do Sul Global, imaginava que os animais fossem criados ao ar livre em lindos campos verdes. Não conhecia o conceito de "factory farming".
Portanto, foi enorme o choque que ela teve ao entrar, com a equipe de jornalismo investigativo inglesa, naquela horrorosa granja portuguesa de produção industrial de ovos, com as galinhas sofrendo em espaços minúsculos e insalubres.
Em Portugal, eles também se infiltraram em outros tipos de fazendas, que criavam gado, porcos e coelhos.
Carolina se lembra de ver porcas confinadas em gaiolas minúsculas, sem espaço para se mexer. As porcas gritavam e comiam os filhotes por causa do estresse. Em um abatedouro de leitões que visitou, os animais ficavam todos espremidos, sendo agarrados à força e fincados em ganchos antes do abate.
Foi muito difícil (e ao mesmo tempo transformador) testemunhar os horrores da produção animal de larga escala. Como jornalista, ela percebeu que não queria trabalhar para um grande meio de comunicação, fazendo reportagens genéricas. Sua vontade, a partir daquele momento, era produzir conteúdo para defender o bem-estar animal e para levantar discussões sobre questões sociais.
Baseada em Londres, trabalhou como jornalista investigativa nos anos seguintes em mais de 30 países, produzindo reportagens para canais de TV e grandes ONGs.
Ela ficou muito feliz ao ver que alguns dos seus trabalhos chamaram a atenção do mundo, ganhando cobertura de veículos como BBC, The New York Times, The Guardian, Channel 4 e Le Monde.
Carolina entrou, por exemplo, em diversos matadouros da Bélgica, onde filmou secretamente vacas, ovelhas e cabras sendo abatidas totalmente conscientes (e muitas vezes bem na frente umas das outras). E se lembra de uma vaca olhando profundamente para ela enquanto esperava para ser morta. Doeu muito ser forçada a vê-la morrer lentamente.
Ela também ajudou a denunciar o cruel mercado de venda de pele de focas na Grécia, a caça ilegal de botos-cor-de-rosa na Amazônia brasileira e a venda de carne de baleia na Groenlândia.
Sempre lhe causou muito sofrimento não poder impedir o sofrimento de animais enquanto ele acontecia na frente dos seus olhos. Mas ela canalizava toda a sua revolta para produzir materiais que pudessem mudar a situação a médio e longo prazo. E os resultados positivos chegavam.
Quando a mídia publicou seus relatórios sobre os abatedouros da Bélgica, por exemplo, políticos belgas realizaram um debate nacional para determinar se os animais deveriam ser abatidos no país com métodos de insensibilização, para reduzir seu sofrimento.
Em 2017, como resultado dessas discussões, as regiões de Flandres e Valônia baniram o abate sem insensibilização, uma proibição ainda em vigor nos dias de hoje.
Além disso, Carolina tem muita alegria em dizer que seu trabalho contribuiu para a proibição da pesca e venda de piracatinga no Brasil.
A piracatinga é um peixe que, na Amazônia, costuma ser fisgado com carne de botos-cor-de-rosa, que estão em risco de extinção. Na época de suas investigações, aproximadamente 4.000 botos eram mortos anualmente na Amazônia brasileira para a pesca da piracatinga. E seu trabalho ajudou a diminuir esses números.
A produção animal em grande escala não envolve só crueldade contra os animais. A prática também envolve desmatamento, destruição dos oceanos e impactos extremamente negativos em comunidades indígenas ao redor do mundo. Por essa razão, o trabalho de Carolina como jornalista investigativa se viu focado frequentemente em questões ambientais.
Ela fez investigações, por exemplo, sobre o desmatamento causado na Austrália pelo mercado chinês de madeira. Também denunciou o desmatamento gerado no Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina pela produção da soja destinada à alimentação de animais. E mostrou como a destruição de florestas sul-americanas pela soja está acabando com territórios de caça de comunidades indígenas e sujeitando-as a conflitos e insegurança alimentar. Curando o trauma com meditação
Carolina nunca tinha parado para pensar nos impactos que esse tipo de trabalho estava causando em sua vida. Mas em 2013, quando deixou a Inglaterra e voltou a morar no Brasil, ela enfrentou uma crise existencial. Ela estava exausta após documentar tanto sofrimento e destruição ao redor do mundo – e enfrentou episódios de depressão e ansiedade. Sua mente estava claramente dominada pelo pessimismo e pela falta de esperança. Pensou em desistir de trabalhar com bem-estar animal, questões ambientais e ativismo social, simplesmente porque é muito difícil impedir todos os danos que as pessoas causam ao mundo. Em 2015, porém, em meio a tantas incertezas, começou a frequentar longos e silenciosos retiros de meditação no Brasil, que a ajudaram a retornar para o seu eixo.
Em silêncio, derramou todas as lágrimas que não pôde derramar ao ver coisas extremamente tristes durante seus trabalhos investigativos. Pediu desculpas a todos os animais que não conseguiu ajudar e por toda a destruição ambiental que não pôde impedir. E, de certa forma, conseguiu dizer a si mesma que fez o seu melhor. Sentiu orgulho por ter tido a coragem de trabalhar em países e ambientes hostis e expor lugares que escondem os segredos feios da sociedade. Voltou a encontrar alegria em todas as pequenas mudanças que ajudou a realizar e viu que grandes mudanças são construídas aos poucos por pessoas que não cansam de tentar. Reconquistou a esperança e se sentiu otimista. Ela recuperou a paz necessária para perceber que o bem-estar animal, a preservação do meio ambiente e o ativismo social são o propósito da sua vida e que não deve desistir. Uma nova entidade nasce para ser guiada pela esperança Em 2017, Carolina fundou a Sinergia Animal, organização que tem uma missão inédita: defender o bem-estar dos animais no mundo dos países em desenvolvimento, que agora é chamado de Sul Global (territórios onde os direitos dos animais são muito negligenciados). O Sul Global é de extrema importância na luta global contra a exploração animal em escala industrial: juntas, a Ásia e a América Latina abrigam hoje mais de dois terços dos animais de fazenda do mundo. E é onde três quartos dos peixes e crustáceos do planeta são cultivados ou capturados na natureza. Além disso, a produção de carne mais do que quadruplicou desde 1980 na Ásia e na América Latina, depois que uma tendência de crescimento econômico estimulou o desenvolvimento agrícola nessas áreas. A Sinergia Animal começou trabalhando em quatro países da América do Sul: Brasil, Colômbia, Chile e Argentina, onde tem colaboradores atuando ativamente em prol dos direitos dos animais. Também recrutou equipes na Ásia, mais precisamente na Indonésia e Tailândia. São todos lugares nos quais, tradicionalmente, não existia atuação de outras entidades que lutam pelos direitos dos animais criados para a indústria de alimentos.
Um dos principais objetivos da organização é convencer grandes empresas de alimentos a eliminar gradualmente práticas que causam sofrimento aos animais em suas cadeias de abastecimento. E já há excelentes resultados para celebrar: desde 2017, a Sinergia Animal conquistou mais de 90 compromissos de grandes empresas de alimentos que operam no Sul Global para usarem apenas ovos livres de gaiolas e banir a criação de porcas confinadas em pequenas jaulas. Entre essas empresas estão Nestlé, Burger King, Carrefour e outras grandes redes de supermercados.
Todos os anos, a ONG promove os benefícios de uma dieta baseada em vegetais para milhares de pessoas, escolas, universidades e câmaras municipais, mostrando os seus ganhos para a saúde humana, o meio ambiente e para os animais – e removendo produtos de origem animal de milhões de refeições. Ao todo, o trabalho da organização afeta positivamente a vida de mais de 3 milhões de animais explorados pela indústria alimentícia por ano. Além disso, a entidade Animal Charity Evaluators nomeou a Sinergia Animal, nos últimos cinco anos, como uma das organizações de proteção animal mais eficazes do mundo, o que tem ajudado a ONG a ganhar reconhecimento internacional e arrecadar fundos para continuar com a sua missão. Carolina acredita que o sucesso da Sinergia Animal venha da fé que ela e sua equipe têm em sua causa e da sua pouca aversão ao risco. Eles não são movidos pelo medo, mas por esperança. Liderando com humildade e colaboração Ao fundar a Sinergia Animal, Carolina ressuscitou sua paixão por defender a causa animal e, ao mesmo tempo, precisou aprender sobre liderança. E é incrível pensar no crescimento que ela alcançou como pessoa e líder nos últimos seis anos. Durante grande parte de sua vida como jornalista investigativa, ela trabalhou sozinha ou em parceria com poucos profissionais. Hoje, coordena mais de 50 colaboradores na Sinergia Animal, espalhados por 9 países. Muitas pessoas lhe perguntam como é se tornar líder e realizar um trabalho em equipe eficiente para promover mudanças significativas no mundo. Sua resposta é sempre a mesma: liderança se aprende. Líderes precisam ter humildade, admitir que cometem erros e refletir sobre feedbacks negativos. Bons líderes, na sua opinião, reconhecem que não nascem prontos e que precisam se desenvolver.
Além disso, sem dúvida, bons líderes são movidos por ambição, paixão e grandes sonhos. Se você sonha ser líder, o mais importante é que escolha uma causa que toque seu coração, na qual você acredite e que seja fonte de realizações. Ao estar nesta sintonia, você atrairá mais pessoas para o seu projeto e irá manter a energia e resiliência necessárias para seguir sempre em frente. Tanto a trajetória pessoal de Carolina, marcada por momentos difíceis, quanto sua experiência como líder na Sinergia Animal ensinam que, para manter o otimismo, é fundamental ter autocuidado. Temos que acreditar que é possível conquistar o impossível. E, para isso, precisamos nos manter saudáveis e equilibrados. A Sinergia Animal é uma organização altamente colaborativa, que trabalha por uma causa. Seu objetivo não é o lucro, mas gerar impactos positivos no mundo. A palavra “colaboração”, inclusive, está implícita em seu nome: a ONG se chama Sinergia porque está disposta a trabalhar em conjunto com outras entidades que defendem os animais e causas ambientais e sociais. Não há competição com outras ONGs. Há colaboração com elas. E, igualmente importante, os membros da Sinergia Animal são frequentemente lembrados de que devem colaborar profundamente uns com os outros. A exploração animal em escala industrial está aumentando rapidamente no Sul Global, em países onde os governos, empresas de alimentos, fazendas e a sociedade estão pouco preocupados em criar condições para dar dignidade aos animais e proteger o meio ambiente. A missão da Sinergia Animal é mudar essa realidade – que será mudada, com otimismo, colaboração e ações efetivas. Você quer ajudar a combater o abuso contra um grande número animais na indústria alimentícia no Brasil, América Latina e Ásia? Faça uma doação para a Sinergia Animal.
Com sua contribuição, continuaremos batalhando para salvar milhares de animais de uma vida inteira de confinamento e sofrimento. Sobre a Sinergia Animal A Sinergia Animal é uma organização internacional que trabalha em países do Sul Global para diminuir o sofrimento dos animais na indústria alimentícia e promover uma alimentação mais compassiva. A ONG é reconhecida como uma das mais eficientes do mundo pela renomada instituição Animal Charity Evaluators (ACE).
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